5 de out. de 2010

Marina, morena

Que Marina Silva é uma das grandes mulheres que este Brasil já viu na política não há dúvidas. Que ela é um símbolo de superação e de entrega a nobres ideais também não há: seu nome, como o de Chico Mendes, estará para sempre ligado à luta pela preservação da floresta amazônica e à relação sustentável com o meio ambiente. Em reconhecimento a esse projeto, foi deputada pelo Acre, depois senadora e ministra, por sete anos, do Governo Lula.


Em toda sua trajetória, Marina foi uma potente voz contra as oligarquias que, em todo o país, instalaram o paradigma da exclusão social. Analfabeta até os 16 anos, sabe o valor da educação formal, mas sempre deixou claro que isso não é, de forma alguma, sinônimo de consciência política ou de capacidade de administração pública.

Seu discurso sempre foi a favor dos mais pobres, pelo fim da miséria e pela justa distribuição de renda. Não foi, portanto, por divergências em relação a amplos projetos ideológicos que Marina deixou o Governo Lula e o PT. Não foi também por denúncias de corrupção (que ela, como ministra, também enfrentou) que Marina decidiu buscar um projeto político próprio. Também não foi sua posição religiosa que a fez entrar em desacordo com as propostas deste governo. A sua ruptura tem a ver, sobretudo, com uma política de meio ambiente que é, de fato, controversa: a da conciliação entre preservação e desenvolvimento.

A posição de Marina pode e deve ser ouvida: ela estabelece um contraponto produtivo à política do Governo Lula, que, a meu ver, pode sim ser repensada. Ela mesma, todavia, entrou em conflito enquanto dona da pasta; conflito tão grande que o candidato Plínio Sampaio, por exemplo, chamou-a de eco-capitalista no primeiro debate presidencial de 2010, na Band.

Apesar disso, a discussão que ela propõe é importantíssima para o futuro do país. Esse tópico, no entanto, não deve apagar a convergência óbvia entre a sua visão de mundo e a daqueles que hoje apoiam Dilma para a sucessão do Governo Lula.

O próprio candidato José Serra declarou a ela, quase ao final do último debate, realizado pela Rede Globo:

“Não use a sua régua para medir os outros. Se eu fosse usar a minha régua, eu diria que você e a Dilma têm muito mais coisas parecidas que qualquer outro candidato aqui. Você ficou no PT até há pouco, você estava no governo do mensalão, não saiu, você ficou lá como ela.”

Marina sabe que ninguém tem monopólio sobre a moralidade. Marina sabe que não foi o PT que inventou a corrupção neste país. Marina, que enfrentou muitas denúncias (é sempre bom deixar isso claro), sabe que o papel da Justiça é investigar e punir; o do Governo é permitir a investigação.

O PV, embora tenha uma militância forte em todo o país, é hoje um partido nebuloso em relação aos seus princípios. Embora sua candidata à presidência tenha um discurso de esquerda, suas associações políticas são de direita. Aqui, no Rio de Janeiro, o partido associou-se ao DEM, algo impensável para qualquer Partido Verde do mundo. Talvez por causa disso, Marina tenha aprovado e ecoado um certo projeto denuncista medíocre que vimos no primeiro turno das eleições.

Claro que há também os que votaram em Marina sem conhecê-la, simplesmente por acreditarem estar construindo uma alternativa politizada para os últimos 16 anos. Há também os que gostariam de votar em Serra, mas não tiveram coragem de fazê-lo, e abraçaram a candidatura de Marina para não votar com o Governo.

Compreendo que Marina lave as mãos e se proponha a ficar neutra nesse segundo turno: ela faz parte de um partido e deve respeitá-lo.

Mas quem votou em Marina por consciência de seu projeto político, por aquilo que sua biografia representa, agora vota em Dilma Roussef. Disso não tenho dúvida.

Confesso, no entanto, que, se o partido dela assim decidir, vai me doer demais o coração vê-la deixando de lado tudo aquilo em que sempre acreditou por conta de um suposto acordo político com a coligação de oposição.

Marina é verde em sua essência; mais verde que muitos dos caciques de seu partido. Que ela não se pinte de outra cor.

Um comentário:

Filipe disse...

Marina,... você se pintou?

Maurício Abdalla [1]

Marina, morena Marina, você se pintou diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o grito da Terra e o grito dos pobres , como diz Leonardo.
Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?
Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as famiglias que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.
Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz . Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.
Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. Azul tucano . Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.
Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a vitória da Marina . Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.
Marina, você faça tudo, mas faça o favor : não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você tanto faz . Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele .
Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu .

[1] Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.