22 de set. de 2010

"Nós somos a opinião pública!" - Lula em Campinas

Tive a oportunidade de assisitir a esse comício do Lula ao vivo, pela internet, por meio do Tijolaço, do candidato Brizola Neto, que tem meu voto na eleição para a Câmara Federal.

Confesso que, durante o comício, fiquei emocionado, como, aliás, tenho ficado sempre que ouço o presidente falar nesses últimos tempos: Lula, em termos de retórica, é ímpar. Com todos os seus exageros, com toda a certeza que tem do trabalho bem feito, ele consegue a atenção de todos. Na verdade, vai ser bom para o Brasil ter no governo agora uma pessoa como a Dilma: extremamente competente, com projeto de governo consistente, mas sem a habilidade retórica do meu presidente. É bom conhecer variações de uma mesma música.

Neste vídeo, Lula critica parte da imprensa: aquela que age como partido político, mas que não tem coragem de assumir que agencia determinados candidatos e que se vende como "guardiã da justiça e da isenção" para seus (e)leitores.

Basta ver, por exemplo, como se descontextualizou a já célebre frase "Nós somos a opinião pública!", dita pelo Lula durante esse comício. Muitos da imprensa quiseram ver nisso traços de arrogância, fumos de tirania e autoritarismo. Vocês poderão ver que não é isso. Lula reage contra os chamados "formadores de opinião", declarando alto: "O pobre agora consegue pensar pela sua própria cabeça (...) não precisa mais do tal de formador de opinião pública! Nós somos a opinião pública!".

Lula tem todo direito de criticar a imprensa, como a imprensa - desde que não se venda como isenta - tem direito de criticar o Lula. Se ela não se assume, tem mais é que ser exposta mesmo! Lula nunca censurou a imprensa, é bom lembrar.

Já escrevi demais... Ouçam o Lula, que é melhor!


11 de set. de 2010

A luta pela tolerância religiosa





Senhores Deputados,

Foi com profunda preocupação que recebi a notícia de que  o Deputado e pastor evangélico Edson Albertassi, membro dessa casa, apresentou um projeto com o objetivo de anular a lei que declara a Umbanda e o Candomblé bens imateriais do Estado do Rio de Janeiro. O mesmo parlamentar tem, sistematicamente, apresentado projetos de lei que atacam frontalmente as crenças afro-brasileiras e ameríndias em nome do que ele mesmo chama de conduta cristã.

Em um contexto em que demonstrações de intolerância religiosa se tornam cada vez mais costumeiras, a proposta do cruzado-legislador com sede de guerra santa se configura como ameaça aos princípios da tolerância e do respeito às diferenças, elementos básicos para o convívio fraterno da comunidade.

Certa feita escrevi um texto sobre a religiosidade brasileira e a relação de nosso povo com as divindades. Cito alguns trechos, nesse momento em que nossos ritos sofrem toda sorte de ataques, do que então expressei:

"Somos, os brasileiros,  filhos do mais improvável dos casamentos, entre o meu compadre Exu e a Senhora Aparecida - a prova maior de que o amor funciona. E Tupã, que se vestiu com o cocar mais bonito para a ocasião, celebrou a cerimônia entre a cachaça e a água benta.

Uma das nossas mãos está calejada pelo contato com a corda santa do Círio de Nazaré - a outra tem os calos gerados pelo couro do atabaque que evoca as entidades. As mãos do Brasil e do seu povo.

Nossos ancestrais passeiam pela vastidão da praia sagrada dos índios de Morená, retornam à Aruanda nas noites de lua cheia, silenciam no Orum misterioso das almas e florescem encantados nas folhas da Jurema.

Os guerreiros de nossas tropas trazem a bandeira do Humaitá, o escudo de Ogum e o estandarte da pomba branca do Divino Espírito Santo - a mesma pomba que pousou na ponta do opaxorô de Obatalá. São essas as nossas divisas de guerra e paz; exércitos do Brasil."

Escrevi isso porque, senhores deputados, nasci e cresci dentro de um terreiro de macumba. Falo dessa procedência com orgulho tremendo. Minha avó era mãe de santo na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, versada nos segredos da jurema e da encantaria. Fui, por isso mesmo, batizado nos conformes da curimba - protegido pelo caboclo Pery e pelo Exu Tranca Rua das Almas e oferecido aos cuidados da lua velha, num terreiro grande de Nova Iguaçu.

Tive uma infância alumiada pelo rufar dos tambores brasileiros e pelo alumbramento com os caboclos de pena e os marujos e boiadeiros da minha macaia querida. Quem viu, viu - e sabe do que eu falo.

Em um certo momento busquei as raízes mais profundas. Fui ao candomblé, me iniciei, recebi um cargo, cantei em iorubá e conheci a religiosidade afro-caribenha. Em meu peito, todavia, continuou batendo forte a virada dos caboclos do Brasil. De mim, que atravessei o mar só para ver a juremeira, isso ninguém tira !

Conversei com Seu Zé; recebi conselhos de Seu Tranca Ruas; vi a dança de guerra de Seu Tupinambá; fui seduzido pela beleza de Mariana e pela saudade de seu navio; temi a presença de Seu Caveira; cantei a delicadeza da pedrinha miudinha; respeitei o cachimbo velho de Pai Joaquim; me emocionei quando Cambinda estremeceu para segurar o touro bravo e amarrar o bicho no mourão do tempo.

É por isso, pelo meu encanto pela Mãe d´Água, pelo temor amoroso ao caboclo Japetequara - veterano bugre do Humaitá - pela reverência aos que correram gira pelo norte, que me emociono com os santos brasileiros, pretos e índios como nós - por amor ao Brasil ! Amor bonito e dedicado, feito o cocar de Sete Flechas e o diadema de Seu Sucuri no limiar das luas.

É por tudo isso ainda, senhores, que afirmo: Não queremos converter e não queremos ser convertidos. Queremos crer apenas que o Pai maior, em Sua sabedoria, revelou-se a cada povo trajando a roupa que lhe pareceu mais conveniente para que os homens o reconhecessem, feito Zambiapungo e Olorum nos infinitos e Tupã nas matas. 

Os deuses que vieram dos porões dos tumbeiros e das florestas do Brasil  amenizaram séculos de dor e sofrimento e forjaram a armadura da resistência e da dignidade de um povo. Os deuses do Brasil nos ensinaram a olhar a natureza com os contornos da poesia e a delicadeza dos ritos imemoriais. Essa é a tessitura nossa de olhar o mundo.

Divinizamos os homens e humanizamos os deuses para construir uma civilização amorosa nos confins do ocidente. Em nome do oxê de Xangô, do pilão de Oxaguiã, do xaxará de Omolu e do ofá de Oxossi não há um só genocídio perpetrado na face da terra. Nunca houve qualquer guerra religiosa em que se massacraram centenas de milhares de seres humanos em nome da fé nos encantados e orixás. A insígnia de nossos deuses nunca foi a mortalha de homens comuns - nós apenas batemos tambor e dançamos, não morremos ou matamos pela nossa fé.

Eu conheci e (me) reconheci (no) meu deus enquanto ele dançava, no corpo de uma yaô, ao ritmo do vento que balançava as folhas sagradas do mariô, amansando o chão de terra batida à virada do rum. Meu general, com a majestade dos seus passos, fazia farfalhar a copa dendezeiro com a destreza de sua adaga africana. O alfanje de Ogum alumiou meu mundo.

Que cada um tenha o direito de encontrar o mistério do que lhe é pertencimento, em gentileza e gestos de silêncio, toques de tambor e cantos de celebração da vida. 

Olorum Modupé, Nzambi-ampungu!

Luiz Antonio Simas, Ifábiyi.