14 de jan. de 2009

O mundo maquinal e a arte


Vivemos um momento tão complexo quanto delicado no desenvolvimento da nossa sociedade.

A lógica do mercado, a lógica da eficácia pela eficácia ajusta nossas vidas a modelos de agir, pensar e sentir que só denunciam a falência do modelo ocidental de civilização.

Acreditamos que é fundamental ter sucesso. E que sucesso é ter reconhecimento. E que reconhecimento é ter uma vida cada vez mais cheia – cheia de trabalho, cheia de obrigações, solicitações, papéis, computadores e decisões a executar; acreditamos que um homem bem-sucedido nunca pode ter tempo.

Acreditamos que muito da felicidade consiste em ter um bom emprego (e acreditamos que bom emprego é aquele que garante um bom dinheiro para pagar as contas em algum momento do fim do mês).

Acreditamos que segurança é mostrar serviço. E, por isso, temos que ser eficientes, rápidos, atentos e precisos; devemos estar sempre atualizados com as últimas novidades, com as últimas informações, com as últimas tecnologias, pois todo o nosso futuro, toda a nossa credibilidade pode depender disso. Há quem assine jornais e revistas, leia blogues especializados, ouça rádio, assista à televisão simplesmente para saber o que pensar sobre o mundo e sobre si mesmo. Mais ainda: há quem se algeme à grande mídia simplesmente para não enxergar o mundo de forma diferente da dos outros homens, por medo de ser excluído.

Que paradoxo: o homem ocidental sempre desejou ser livre, mas tem medo de romper com o sistema e, por isso, se fecha às possibilidades do mundo.

Acreditamos que são necessários corpos melhores e que corpos melhores não são necessariamente saudáveis, mas corpos mais bonitos e fortes. Queremos ser desejados, admirados, reverenciados como imagens sedutoras, como estátuas imortais de beleza. E para isso frequentamos academias em horários absurdos, fazemos dietas incompreensíveis, cobiçamos pessoas de quem jamais ouvimos um só pensamento autônomo e construtivo.

Parece que o homem, por não entender o que significa ser homem, deseja ser uma espécie de super-homem. Não o do Nietzsche ou o dos quadrinhos, mas aquele que se define por querer ser tudo ao mesmo tempo, sempre da forma mais eficiente possível. O espelho do homem não é mais outro homem e sim a máquina, símbolo de perfeição, eficiência e produtividade, símbolo que o homem sonhou e que o fez sonhar com uma realidade sem defeitos. Fazer poesia, desenhar, musicar, esculpir, dançar ou mesmo refletir soam como atividades improdutivas, coisa de fraco, bobo, louco ou desocupado.

O homem de hoje não se entrega à sua sensibilidade. Ou ainda, o homem de hoje é incapaz de reconhecer a grandeza de sua sensibilidade, das suas emoções: falta tempo pra isso. Ele busca a felicidade, mas não sabe onde encontrá-la, porque ele nunca pensou por si próprio; ele sonha com um grande amor, mas não tem idéia de como vivê-lo, porque sequer se conhece, porque aplica às emoções a lógica do mercado. Quantas e quantas pessoas estão por aí hoje "se curtindo", sem nenhuma pretensão de crescer com esse tipo de relacionamento? Quantas e quantas pessoas se metem em namoros e casamentos porque seus pares são "legais"?

Mas chega um momento
em que (sem heroísmos ou egoísmos)
é preciso inventar um pequeno barco no ar

(ou um outro sonho qualquer
que nos arranque o chão dos pés).

Chega um momento
em que não se pode aguardar o vento,
em que temos que nos arremessar ao mar.

Porque é urgente salvar o amor.

Chega um momento em que é urgente amar.

Por isso, é tão importante valorizar o artista.

Eles sim merecem ser admirados e reverenciados. E merecem ser admirados e reverenciados porque transgridem os limites dessa realidade maquinal. Dedicam-se a produzir trabalhos que não vão torná-los mais ricos ou mais fortes, mas que vão lembrar a todos nós que ainda “somos carne, osso, alma e sentimento, tudo isso ao mesmo tempo”. Trabalhos que falam sobre sonhos, fantasias, medos, paixões e covardias e que, por isso, vão lembrar a todos nós que o ser humano precisa sim ter imperfeições, porque só sabemos o que é a felicidade porque existe a tristeza; só sabemos o que é a beleza, porque existe a feiúra; porque sabemos que toda ousadia precisa conviver de perto com o pudor. Trabalhos que vão nos lembrar que, às vezes, é preciso “levar a vida mais devagar, pra não faltar amor”.

O ser humano precisa urgentemente da arte. Precisa porque a arte faz pensar. Ouvir uma boa música, ler um bom livro, apreciar uma tela não são perda de tempo. Pelo contrário, são atividades que certamente vão desenvolver nosso potencial reflexivo, crítico e criativo e que, por isso, vão permitir uma melhor absorção dessa avalanche de informações, símbolos e imagens a que estamos submetidos todos os dias.

O ser humano precisa da arte porque nesse mundo tão individualista é bom sabermos que não estamos sozinhos nas nossas angústias e nas nossas alegrias; que um outro ser humano de outra realidade histórica é capaz de sentir exatamente o que nós estamos sentindo; porque, afinal de contas, a arte tem essa incrível capacidade de nos entender e de nos descobrir. Sem fazer muitas perguntas.

(por Filipe C.)
Os vídeos a seguir complementam essa reflexão e a expandem. Assistam a eles!